A taxa de homicídios estimados na Bahia, em 2017, foi de
63,5 para cada 100 mil habitantes, segundo o Atlas da Violência dos Municípios.
A pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), elaborada em
parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foi divulgada nessa
segunda-feira (5), e aponta as organizações criminosas como uma das causas da
violência.
O especialista em segurança pública, o professor Luís
Lourenço, do Laboratório de Estudos Sobre Crime e Sociedade (Lassos) da
Universidade Federal da Bahia (Ufba), concorda.
Para ele, a aliança entre as
maiores organizações criminosas do país, a paulistana Primeiro Comando da
Capital (PCC) e a carioca Comando Vermelho (CV), com as facções baianas é
fomentada principalmente no comércio atacadista de drogas.
“Na Bahia, o PCC e CV não atuam no comércio varejista de
drogas. Essa atividade é dos grupos locais. Além da droga, fornecem armas também
no atacado”, explicou. Esses grupos maiores também trabalham na transferência
de conhecimento entre os traficantes, formando e capacitando criminosos.
“Essas organizações grandes não atuam diretamente, mas
influenciam na dinâmica. Costumam adotar o intercâmbio de conhecimentos, de
maneiras, de coma fazer, agir naquele cenário.
Um exemplo é quando um indivíduo
é preso em um desses estados, Rio ou São Paulo, e acaba conhecendo a dinâmica
local e depois retransmite tudo quando retorna ao local de origem. Ou quando
alguns criminosos dessas facções (PCC e CV) são presos em outros estados, como
aconteceu na Bahia há muitos anos”, disse Lourenço, que fez referência ao
surgimento da primeira facção do estado no início dos anos 90, a extinta
Comissão da Paz, hoje Comando da Paz (CP).
Intercâmbio
A CP surgiu na Penitenciária Lemos Brito (PLB), em Mata
Escura, com a chegada do sequestrador e traficante Mário Carlos Jezler da
Costa. Integrante da Falange Vermelha, que deu origem ao Comando Vermelho, ele
aprendeu nas cadeias do Rio a controlar os presos.
Naquela época, os grupos eram dispersos e tinham como hábito
a “ciranda da morte”, na qual sorteavam quem iria morrer para controlar a
superpopulação carcerária. Os detentos matavam-se mutuamente. Então, Mário
Carlos mudou isso. Organizou tudo, a partir da ideia dos presídios cariocas de
que era preciso união para reivindicar melhorias e instituiu a Comissão da Paz
– ponto de partida para a criação de outras organizações criminosas do estado.
Lourenço pontua que, apesar das influências, as facções
baianas ainda estão longe de terem uma organização como o PCC e o CV. “Aqui tem
funcionado a estratégia de enfrentamento da polícia e, com a captura ou morte
das lideranças, tem surgido mais grupos. O segundo no escalão ascende e forma
grupo dentro de um mesmo grupo, o que era para ser coeso, torna-se disperso e
resulta em disputa interna por territórios, o que não acontece no PCC e CV,
tornando-os fortes”, disse.
Tomando como referência o massacre da cadeia de Altamira, no
Pará, quando 62 presos morreram no último dia 30, durante confronto entre
facções criminosas que disputam território dentro da unidade prisional, o
Comando Classe A (CCA) e o Comando Vermelho, Lourenço comentou que na Bahia a
violência nas unidades prisionais quase não existe se comparado com outros
estados. Porém, essa rivalidade é expressa de outra forma.
“Aqui, esses conflitos são acentuados nos bairros por
disputa por bocas-de-fumo. Os números estão aí. Não é à toa que as cidades
baianas têm estado no ranking das mais violentas do país”, explicou.
Interior
O especialista comentou o fato de Saubara, uma região
praieira e por isso procurada no Verão, ter superado Salvador na taxa de
homicídios. “Pra mim Saubara é uma novidade, por ser conhecida como uma área
muito tranquila, inclusive de pouca vigilância, o que favoreceu para a
criminalidade. Foi o que aconteceu com a Ilha de Itaparica. Há uns oito anos
era um local de tranquilidade. Hoje é perigosíssimo. Não é porque uma área é
tranquila hoje, será tranquila nos próximos anos. Justamente porque é pouco
vigiada”, disse.
Coincidência ou não, a primeira Base Comunitária da
Secretaria de Segurança Pública foi instalada no Calabar em abril de 2011. “O
que se imagina é que os criminosos se refugiaram na ilha e deram continuidade
às suas atividades”, declarou especialista.
A Região Metropolitana de Salvador e o Sul do estado são
apontados pelo Atlas da Violência dos Municípios como as áreas mais violentas
da Bahia. As três cidades mais violentas são: Saubara (125,8), Tanquinho
(123,8) e Simões Filho (119,9). Salvador não ficou muito atrás. Enquanto a
capital possuía taxa de homicídio de 63,5, a média dos municípios do estado era
41,3.
A pesquisa lista alguns problemas da violência que
influenciaram os números negativos na Bahia, como o fato de várias pequenas
facções criminosas disputarem o varejo de drogas, principalmente na capital,
entre as quais o Bonde dos Malucos (BDM), Comando da Paz (CP), Katiara e
Caveira.
Segundo o estudo, as duas maiores facções do país, o PCC e o
CV, também estão presentes no território baiano e procuram se associar com as
quadrilhas locais a partir do fornecimento de armas e drogas. A pesquisa também
afirma que o estado tem adotado uma linha de enfrentamento e embrutecimento no
uso das forças policiais, melhor do que a inteligência e investigação, o que
tem ajudado a alimentar o ciclo de violência.
Para o membro da Iniciativa Negra por uma Nova Política
sobre Drogas, Dudu Ribeiro, o problema vai além das facções criminosas. Para
ele, a escalada da violência na Bahia tem relação com a forma como os governos
encaram os problemas da segurança pública.
“É importante que a gente comece a considerar que o que
chamamos de organização criminosa não existe sem a participação, a conivência,
a convivência e o financiamento do estado. Não existe uma organização criminal
que não passe por relações dentro do estado, seja no Judiciário, no Executivo,
ou no Legislativo, quando não nos três poderes”, afirmou.
Perfil
Em junho deste ano, o Atlas da Violência 2019 apontou que
homens, negros e jovens – com menos de 30 anos – são a maioria das vítimas de
homicídios ocorridos na Bahia em 2017. Dentre as 7.487 vítimas de assassinatos
registrados pela pesquisa naquele ano, 7 mil eram homens (93% do total), 6.798
negros (90%) e 4.522 tinham entre 15 e 29 anos (60%). Em todo o Brasil, foram
65.602 mortes em 2017, contra 62.517 no ano anterior – o que corresponde a
aumento de 4,9%.
“Quando a gente começa a colocar isso apenas na conta das
favelas e nos territórios criminalizados, como se só ali estivesse o crime
organizado, estamos responsabilizando a parte mais frágil da guerra, que são
mais alvejadas e criminalizadas. Existe uma organização criminal muito maior
por trás delas que envolve a segurança pública, juízes e promotores, advogados,
deputados e senadores. Elas são o maior perigo porque conseguem alcançar tantos
lugares de poder no Brasil”, afirmou.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia
informou que os números apresentados pelo Atlas da Violência são diferentes dos
que foram registrados pela SSP, e disse que houve redução dos crimes violentos
letais intencionais na Bahia desde 2017. Confira a nota na íntegra:
“A Secretara da Segurança Pública desconhece a metodologia
utilizada pelo Atlas da Violência publicado esta semana, já que os dados
apresentados pela pesquisa não condizem com números registrados. Diferente do
divulgado, em Salvador, foram contabilizados 1.346 casos de homicídio no ano de
2017, menos 530 casos. Também há discrepância nos números apresentados pela
pesquisa sobre os municípios de Simões Filho, Porto Seguro e Lauro de Freitas.
Essas e as demais estatísticas criminais estão disponível no site da
instituição (www.ssp.ba.gov.br). Ressalta, ainda, que a redução dos crimes
violentos letais intencionais na Bahia ocorre desde 2017, com destaque para
2018 com o menor número dos últimos seis anos, e segue em declínio até o
primeiro semestre de 2019”. *Correio
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