Dividir tarefas domésticas, perder a privacidade e conviver
sob o mesmo teto sem poder sair de casa são algumas das situações impostas
durante a pandemia a alguns casais, que já não conseguem continuar na relação.
Dados do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), obtidos com exclusividade pelo
CORREIO, revelam um aumento de 40% no número de divórcios na Bahia, entre maio
e junho deste ano.
O cenário, contudo, é diferente, quando comparamos os meses de
março a junho de 2020 com o mesmo período do ano passado: há uma queda de 57%.
A baixa na comparação com os números de 2019 pode esconder um pouco a
realidade, uma vez que houve aumento na procura pelo serviço neste último mês
da pandemia e, principalmente, pela dificuldade de acesso ao poder judiciário
durante o isolamento.
Especialistas em Direito da Família alertam ainda que os
casos tendem a aumentar quando acabar a crise do novo coronavírus, já que
alguns tipos de divórcio exigem a presença do juiz.
A titular do 12º ofício de notas - que é o maior cartório da
Bahia, Conceição Gaspar, afirma que o registro de divórcios na unidade aumentou
23% de março a junho deste ano, em relação ao mesmo intervalo de 2019. Destes,
8% foram divórcios virtuais, permitidos desde o início de junho pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ).
“A procura tem sido grande e aumentou nos últimos dias com a
aplicação do e-notariado, que possibilitou que os divórcios sejam feitos por
videoconferência e os documentos sejam enviados por e-mail, o que facilita
muito a vida da população”, relata a tabeliã, que atua no cartório desde 1998.
No cartório Catizane, que fica na avenida Tancredo Neves, a
quantidade também cresceu. “Estamos recebendo uma média de 5 divórcios por
dia”, revelou Samantha Torres, que coordena o Setor de Escrituras Públicas do
ofício. O normal, segundo ela, era um ou dois por semana.
Dados Atrasados
O promotor de Justiça
do Ministério Público da Bahia, Cristiano Chaves, explica que a comprovação
estatística do que vem acontecendo só virá após a pandemia. “Não vamos enxergar esse aumento agora. Essa
diminuição (dos números do TJ-BA em relação a 2019) é completamente normal,
porque as pessoas estão saindo menos de casa, elas estão sem dinheiro e só vão
regularizar as situações quando voltarem ao seu dia a dia e suas atividades”,
pontua o promotor, que também é professor de Direito da Família na Faculdade
Baiana de Direito.
Em relação ao divórcio virtual, Chaves ainda indaga: “Por
mais que seja possível protocolar por sistema eletrônico, as pessoas vão pra
onde, se os hotéis estão fechados?”.
Outro fator que contribui para que os dados estejam, de
certa forma, atrasados, é a demora da judicialização de alguns processos. “O
fato de ter um aumento da procura não significa imediatamente um aumento de
sentença de divórcio, porque, mesmo que seja consensual, tem alguns
procedimentos a serem seguidos, e, se for litigioso, demora ainda mais. Então a
gente não consegue ter esse reflexo imediato”, conclui o advogado Luciano
Figueiredo, mestre em Direito Privado e professor da Faculdade Baiana de
Direito.
Com a convivência mais intensa sob o mesmo teto, as
divergências entre os casais seagravaram e esta pode ser uma das causas para o
aumento nos pedidos de divórcio. “A pandemia realçou os conflitos entre casais,
que perceberam o quanto é difícil dividir as tarefas domésticas, manter a
privacidade, fazer atividades individuais como conversar com amigos ou
trabalhar em casa” destaca o psicólogo Elídio Almeida, que atua com a terapia
de casais há mais de 10 anos.
O especialista ainda diz que houve um aumento de 60% na
procura por seus serviços. O principal problema dos atritos, segundo o
psicólogo, é a má comunicação: “Muitas vezes eles se expressam mal, com tom de
ironia, agressividade, e, às vezes, pegam carona em problemas do passado, o que
pode contribuir para novos conflitos”.
Tipos de divórcio
Existem dois tipos de divórcio no Brasil: o extrajudicial,
que pode ser registrado diretamente no cartório se houver consenso entre os
parceiros, e o que precisa da presença de um juiz no processo. Em ambos, é
imperativo ter um advogado. A intervenção da Justiça se dá em todos casos nos
quais não há acordo entre as partes e que envolvam incapazes - isto é, quando
há um (a) filho (a) do casal ou quando a esposa estiver grávida, pois deve-se
alinhar questões como pensão alimentícia, guarda da criança e regime de
convívio.
Nessas situações, é necessário ainda um parecer do
Ministério Público, que é o órgão que protege constitucionalmente os menores de
idade. Salvo estas duas exceções, qualquer divórcio pode ser registrado no
cartório na presença de um advogado e do tabelião titular. Quando há divisão de
patrimônio, é preciso ainda um documento de declaração de bens da Secretaria da
Fazenda, que pode demorar até 45 dias úteis para ser emitido.
O benefício de entrar com a ação direto no Tabelionato é a
economia de custo e tempo. No cartório, o processo pode durar 10 dias e as
taxas variam de R$ 237,66 a R$ 17.960.94, dependendo do tamanho do patrimônio
envolvido, do valor da pensão alimentícia e como isso será dividido. Já um
processo judicial tem custo de R$ 93,42 a R$ 11.676,72 e pode demorar, no
melhor cenário, 30 a 180 dias, se não houver litígio. Se houver, pode durar
cerca de oito anos.
Apesar de ter um mínimo e um teto maior, as taxas
progressivas do cartório são menores que a dos processos na Justiça. Além
disso, o valor pago a um advogado é mais baixo: o mínimo é R$ 2, 4 mil e pode
ser usado somente um para representar os dois divorciandos. Já nos processos
judiciais, um defensor custa no mínimo, R$ 3 mil para cada divorciando, num
divórcio consensual e, se houver litígio, o preço mínimo sobre para R$ 4,8 mil.
Divórcio virtual
Com a pandemia, o Conselho Nacional de Justiça regulamentou,
no início de junho, o divórcio online, que é a possibilidade de fazer o
divórcio extrajudicial sem sair de casa. A partir da criação do Sistema de Atos
Notariais Eletrônicos (e-Notariado), tudo que se precisa é enviar um e-mail com
os documentos de cada cônjuge: rg, cpf, comprovante de residência, certidão de
casamento e uma petição feita pelo advogado. Após o pedido, será feita uma
sessão virtual com o advogado, os divorciandos e o tabelião para formalização
do ato. Em seguida, o cartório emite a certificação digital do divórcio. As
taxas são as mesmas do procedimento presencial.
Consenso
Por conta da demora que um divórcio pode levar, a advogada
Lizandra Colossi, que integra o Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM), indica que o melhor a se fazer é evitar a judicialização do processo,
e, se não for possível - como nos casos que envolvem filhos menores de idade e
partilha de bens - tentar chegar a um consenso. “Tento resolver tudo no
escritório para apenas apresentar o acordo ao MP e pedir a homologação ao
juiz”, explica a advogada, que se tornou especialista em advocacia consensual
no último ano.
Número de divórcios
na Bahia (fonte: TJ-BA)
2019
Março: total de 2023, sendo 1305 julgados
Abril: total de 2108, sendo 1290 julgados
Maio: total de 2181, sendo 1353 julgados
Junho: total de 1587, sendo 971 julgados
Total de março a junho de 2019: 7.899 divórcios
2020
Março: total de 1483, sendo 538 julgados
Abril: total de 545, sendo 136 julgados
Maio: total de 549, sendo 70 julgados
Junho: total de 769, sendo 95 julgados
Total de março a junho de 2020: 3.346 divórcios
Custos do divórcio
Na Justiça: de R$ 93,42 a R$ 11.676,72
No cartório: R$ 237,66 a R$ 17.960.94
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