No Brasil, 79% das pessoas com mais de 16 anos admitem tomar
remédios sem prescrição médica. O porcentual é o maior desde que a pesquisa
começou a ser feita pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ).
Em 2014, 76,2% diziam automedicar-se e em 2016, 72%.
O imediatismo e o maior
acesso à internet estão entre os motivos para o aumento, de acordo com os
coordenadores do estudo. “O brasileiro está na correria do dia a dia, e o smartphone
leva as pessoas a pular etapas.
Em vez de passar em um médico, vão diretamente
à internet e fazem o autodiagnóstico, sem falar com ninguém”, afirma o
farmacêutico clínico Ismael Rosa, pesquisador do ICTQ, entidade de pesquisa e
pós-graduação na área de Farmácia.
Coordenador do levantamento, Rosa destaca que as pessoas têm recebido um grande volume de informação pelas redes sociais e, muitas vezes, as seguem sem saber se elas estão corretas. Também buscam referências com amigos e parentes, se afastando dos médicos.
“As pessoas buscam a validação social e procuram conversar
com quem já teve a experiência, mas cada indivíduo tem a sua particularidade. O
principal objetivo do estudo é alertar que a automedicação está crescendo e
mostrar que existem profissionais da saúde para fazer (esse atendimento). Uma
pessoa não pode ser médico ou farmacêutico de si mesma.” O levantamento foi feito em setembro, com 2.126 pessoas a
partir dos 16 anos, em 129 municípios das cinco regiões do País.
De acordo com a pesquisa, dor de cabeça, febre, resfriado e
dores musculares estão entre os principais sintomas que levam o brasileiro a se
medicar. O maior porcentual de automedicação foi observado entre adultos de 25
a 34 anos: 91%.
É o caso da assistente financeira Michele Soares, de 34
anos. Mãe de duas crianças, de 2 e 11, ela também medica os filhos. “Se é um
sintoma comum, como uma eventual dor de cabeça ou um resfriado, tomo algum
analgésico. Meu filho é alérgico e, como sei os sintomas e o tipo de medicação
que ele toma, já vejo o que ele precisa e dou o remédio. Mas se eu ou os meus
filhos tivermos uma febre persistente, algo mais intenso ou fora do comum, claro,
procuro atendimento médico.”
Segundo especialistas ouvidos pelo Estado, a automedicação é
um problema enfrentado por vários países e que deve ser combatido em casos de
sintomas persistentes e uso de medicamentos que necessitam de prescrição
médica. No entanto, a utilização responsável de remédios isentos de prescrição
em situações pontuais, caracterizada como autocuidado, é uma conduta que pode
ser adotada. “Há medicações que aliviam sintomas. Se não (houver a
automedicação), as pessoas vão precisar ir para o médico para coisas que são
pequenas”, afirma Gustavo Gusso, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina da
Família e Comunidade e professor de Clínica Geral da Universidade de São Paulo
(USP).
Clínico e infectologista da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), Paulo Olzon diz que é preciso ficar atento quando o sintoma
fugir do habitual. “Quem está habituado a ter dor de cabeça toma um remédio e
ela passa. Passa a ser importante quando são medicações mais tóxicas. Não dá
para achar que tem um problema cardíaco e tomar remédio sem a prescrição.”
Medo de médico
A professora Cleusa Maria de Almeida e Almeida, de 64 anos,
tem lúpus (doença inflamatória autoimune) e faz acompanhamento semestral.
Mesmo assim, recorre à automedicação. “Tenho medo de ir ao
médico e descobrir algo muito ruim. Por isso, quando sinto alguma dor, acabo me
automedicando. Já tomei até injeção por minha conta para evitar ir ao médico.
Passei um bom tempo da minha vida em atendimento médico e hospitalar. Hoje, a minha
doença está sob controle.”
Analgésicos, anti-inflamatórios e antiácidos são os tipos de
medicamentos que sempre tem em casa. “Quando sinto alguma dor forte nos dedos,
na articulação, tomo anti-inflamatório de 12 em 12 horas, por quatro dias e,
logo quando passa a dor, volto a fazer as minhas coisas”, conta a professora.
Em 2006, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
estabeleceu os critérios para que remédios possam ser comprados sem receita
médica, como não ter potencial para causar dependência, não ter indicação para
doenças graves e ser tomado por curto período de tempo.
Sintomas comuns podem
esconder doenças graves
Sintomas aparentemente comuns podem esconder doenças mais
graves. Quem faz o alerta é o cardiologia e clínico-geral Abrão José Cury
Júnior, que trabalha no Hospital do Coração (HCor) e na Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp).
“As pessoas têm dor na boca do estômago e tomam um
antiácido, mas pode ser enfarte, pancreatite, gastrite e até tumor. Uma dor nas
costas pode ser dor muscular, mas também um aneurisma. Ao tomar um analgésico,
pode haver uma falsa melhora num primeiro momento, mas isso vai retardar o
atendimento e pode ser grave. O uso abusivo de alguns medicamentos, como os anti-inflamatórios,
pode causar lesões no rim.”
Cury Júnior recomenda que os pacientes tomem apenas
medicamentos que já foram prescritos e também que o médico seja consultado caso
os sintomas persistam. Além disso, orienta que todos tenham um bom
relacionamento com um profissional da área. “É importante ter um médico de
confiança. As pessoas têm mecânicos, manicure e cabeleireiro de confiança, mas
não têm um médico.”
Para auxiliar os idosos, a Associação Brasileira de Redes de
Farmácias e Drogarias (Abrafarma) realiza até esta sexta-feira, 26, uma campanha
para ajudá-los a organizar a rotina de medicação. A proposta é oferecer revisão
medicamentosa em mais de mil estabelecimentos no País, avaliando não só
medicamentos prescritos, mas também os tomados por conta própria, além de
fitoterápicos e suplementos. A entidade destaca que, ao longo do ano, realiza
ações de conscientização sobre questões relacionadas à saúde.
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