O empresário Alexandre Margotto, ligado a Lúcio Bolonha
Funaro - apontado como operador financeiro de Eduardo Cunha, ex-presidente da
Câmara e preso na Lava Jato - revelou em sua delação premiada mais detalhes da
ligação do ex-ministro Geddel Vieira Lima com um suposto esquema de corrupção
na Caixa Econômica Federal.
A delação do empresário, que foi homologada pelo juiz
Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, foi obtida com
exclusividade pelo Fantástico (veja no vídeo acima).
O acordo de Margotto com a
Justiça revela ainda o suposto envolvimento do empresário Joesley Batista, dono
do grupo J&F, com as operações irregulares no banco federal. As defesas de
Joesley e Geddel negam relação com Alexandre Margotto (Leia mais abaixo).
Lúcio Bolonha Funaro, conhecido da Justiça desde as
investigações do Mensalão e já definido pelo procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, como "alguém que tem o crime como modo de vida", era
quem ajudava a pensar o esquema e a administrar o dinheiro. Ele cobrava propina
e fazia repasses. O empresário Alexandre Margotto trabalhava diretamente com
Funaro, que está preso no presídio da Papuda, em Brasília.
Em delação premiada, Margotto deu mais detalhes de como
funcionava o esquema de corrupção montado dentro da Caixa Econômica Federal, e
que já havia sido delatado pelo vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias
do banco, Fábio Cleto, indicado para o cargo por Eduardo Cunha.
De acordo com Alexandre Margotto, o grupo de Cunha operava
com Fábio Cleto e também com Geddel Vieira Lima, ex-secretário de governo
Michel Temer, filiado ao PMDB, que na época era vice-presidente de Pessoa
Jurídica da Caixa.
A ligação de Geddel com o esquema foi revelada em janeiro,
durante a operação Cui Bono, da Polícia Federal. Nessa época, ele já tinha
deixado o governo em meio a denúncias de uso do cargo para benefício próprio.
Os depoimentos dele foram gravados em vídeo pelo Ministério Público, em
Brasília.
Margotto contou que Funaro tinha grande influência sobre
Geddel na Caixa. "Não faço ideia. Quando eu cheguei no escritório já
tinham esse relacionamento. Segundo o Lúcio, ele mandava no Geddel",
declarou.
Margotto contou ainda na delação premiada que, para Lúcio
Bolonha Funaro, Geddel era mais eficiente para o esquema do que Fábio Cleto,
com quem Funaro chegou a brigar e ameaçar de morte.
De acordo com o depoimento, Funaro ganhou muito dinheiro com
Geddel. "Somente o que Lúcio me comentava, que ganhava mais dinheiro com o
Geddel do que com o próprio Fábio", disse o empresário.
Divisão da propina
Alexandre Margotto chegou a descrever como era feita a
divisão da propina, que era separada com base em percentuais. A maior parte do
dinheiro deveria ir para Eduardo Cunha, mas outros politicos, como Geddel e
Henrique Eduardo Alves, também do PMDB, que foi presidente da Câmara e ministro
dos governo Dilma Rousseff e Michel Temer, são citados como destinatários da
propina.
Em um trecho da delação, um procurador pergunta para
Margotto: "20 [%] entre você, o Fábio Cleto e o Lúcio Funaro, os 80%
[restantes] ficariam com?". E a resposta de Margotto: "Eduardo Cunha,
segundo Lúcio Henrique Alves e aliados". Segundo ele, Cunha receberia 70%
e "distribuiria para os outros políticos, como Geddel também".
No caso do desvio de verbas da Caixa para financiar projetos
do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, por exemplo, Margotto citou os valores
da propina que foram acertados para cada um. Essa obra foi financiada com
recursos do fundo de investimento do FGTS, gerido por um conselho com
participação da Caixa.
O procurador insiste para saber os valores: "Como era
acertado o percentual da propina, sabe dizer? Desse caso do Porto
Maravilha?".
Margotto responde: "No escritório, a parte do Lúcio que
era os 20%, eu me recordo muito bem que eram os R$ 280 mil, onde eu ficaria com
R$ 56 mil, Fábio com R$ 56 mil e o Funaro com o restante. E os 80% de um milhão
e meio, um milhão e 560 [mil], tem que fazer a conta direitinho, pra Eduardo
Cunha".
Relação Funaro x Joesley
Margotto também falou da intimidade de Lúcio Funaro com
Joesley Batista, presidente da J&F, que controla, entre outras empresas, o frigorífico
JBS. Ele confirmou duas informações já dadas à Justiça por Fábio Cleto.
Para mostrar que o empresário tinha grande intimidade com
integrantes do esquema, Margotto relatou uma viagem ao Caribe de Funaro,
Joesley e Cleto, acompanhados das namoradas. E uma casa que Joesley teria dado
a Funaro, localizada em São Paulo (SP), que, segundo Margotto, valeria mais de
R$ 20 milhões.
"Mas conta a história dessa casa. Quanto você sabe
dessa casa?", questiona o procurador. No que Margotto responde: "que
ela foi feita para o pagamento de dívida de propina. E o Lúcio me falava que
inclusive não só casa mas que já chegou a cogitar de ficar com o jato, já
chegou a cogitar de ter outros tipos de pagamento que não em espécie. Mas sei
que a casa foi uma delas".
Alexandre Margotto também disse, no depoimento ao Ministério
Público, que Funaro ofereceu a Joesley facilidades na Caixa Econômica Federal.
"Eu tenho o vice-presidente da Caixa, ele vai atender às suas demandas com
o menor prazo possível, e tudo o que for dentro do que for possível ele vai
fazer sob os nossos comandos", declarou.
Na delação premiada, o empresário confirmou ainda o que já
tinha sido revelado por outro delator, Fábio Cleto. Segundo Margotto, Geddel e
Cleto foram fundamentais para tornar viável uma operação de compra de
debêntures da Eldorado Celulose pelo fundo de investimento do FGTS. A Eldorado
pertence ao grupo J&F, e já é investigada desde a operação Sepsis, da
Polícia Federal, a mesma que levou Funarno à prisão.
O empresário Alexandre Margotto revelou também quanto seria
pago em propina. "O Lúcio me comentou que ia cobrar 3%. E que ele ia
repassar". O procurador do Ministério Público pergunta: Das duas
operações?". Margotto, por sua vez, disse: "De cada uma. Entre 2,5% e
3%, é o que ele me disse que ia cobrar".
Caso de honestidade
Margotto também afirmou que Joesley Batista queria ter
influência sobre o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do
Ministério da Agricultura, um cargo estratégico para seus negócios.
Segundo o delator, Joesley queria colocar um nome de
confiança dentro do governo federal. Margotto, em negociação com Funaro e
Eduardo Cunha, indicou Flávio Turquino. Isso foi em agosto de 2013 e houve
protesto contra a nomeação política para um cargo sempre ocupado por técnicos
do Ministério.
À primeira vista, a estratégia deu certo e Turquino foi
nomeado. Mas, segundo Margotto, depois Turquino não aceitou as condições do
esquema. E com menos de dois meses pediu demissão. É a primeira vez que uma
delação revela que alguém foi honesto.
"Alguma operação que eu não sei te dizer, o Flávio
ficou absurdado. Falou 'não vou fazer'. 'Tenho uma família, não preciso de
dinheiro, eu prezo por fazer as coisas certo. Não quero estragar o nome da
minha família'", disse Margotto, na delação premiada. O Ministério Público
questiona: "Trocaram ele?". Alexandre Margotto responde que ele
próprio pediu para sair.
Acusados negam
A defesa de Geddel Vieira Lima afirmou o cliente não mantém
qualquer contato com Alexandre Margotto e reafirmou a conduta correta de
Geddel. Disse ainda que irá prestar esclarecimentos assim que tiver acesso aos
autos, e que o cliente está à disposição da Justiça.
Henrique Eduardo Alves negou que tenha recebido propina, e
disse que a acusação do delator é absurda e irresponsável.
A J&F reitera que suas relações comerciais com Lúcio
Furnaro são lícitas, legais e devidamente documentadas. Sobre os assuntos que
estão sob investigação, a empresa esclarece que está à disposição do Ministério
Público Federal e da Justiça caso haja algo a acrescentar. A J&F esclarece
ainda que Joesley Batista não teve e não tem qualquer relação com Alexandre
Margotto.
A Caixa Econômica Federal afirmou que está em contato
permanente com as autoridades, prestando irrestrita colaboração com as
investigações em curso. O Fantástico não conseguiu contato com as defesas de Lúcio
Funaro, Eduardo Cunha, Fábio Cleto e Flávio Turquino.
Informações: G1
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