O Brasil registrou em 2022 o maior número de mortes por
dengue de sua história. Foram 1.016 óbitos pela doença, segundo o último
boletim epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Outros
109 casos estão em investigação.
Entre os estados, São Paulo foi o que registrou o maior
número de vítimas: 282. Aparecem em seguida Goiás (162), Paraná (109), Santa
Catarina (88) e Rio Grande do Sul (66). Ao todo, foram 1.450.270 casos
prováveis, sendo 1.473 graves e 18.145 com sinais de alarme.
O recorde já era previsto por infectologistas, conforme
mostrou a Folha de S.Paulo. O médico Antonio Carlos Bandeira, membro da SBI
(Sociedade Brasileira de Infectologia), explica que 2022 reuniu diferentes
fatores que contribuíram para a alta de casos.
Além da sazonalidade da doença (há picos de casos em
intervalos de três a cinco anos), ocorreram períodos com fortes chuvas e
temperaturas altas, gerando um ambiente propício para a proliferação dos
mosquitos.
A pandemia também afetou as ações de prevenção, que, segundo
Bandeira, foram deixadas em segundo plano. "Houve atraso na entrega de
larvicidas e de material para o fumacê."
Em dezembro, ao ser questionado sobre o alto número de mortes por dengue no país, o Ministério da Saúde afirmou que monitorava constantemente a situação epidemiológica das arboviroses e investia em ações de combate ao mosquito, como campanhas de prevenção, distribuição de inseticidas e larvicidas aos estados e municípios e que fazia reuniões com gestores para avaliação do cenário e estratégias de combate.
No ano passado, a região Centro-Oeste teve a maior taxa de
incidência da doença, com 2.086,9 casos a cada 100 mil habitantes, seguida pelo
Sul (1.050,5 casos/100 mil hab.), Sudeste (536,6 casos/100 mil hab.), Nordeste
(431,5 casos/100 mil hab.) e Norte (277,2 casos/100 mil hab.).
O quadro regional, afirma o médico, coincide com uma rota
semelhante à da febre amarela. "Por razões que ainda desconhecemos,
observamos taxas muito altas no Centro-Oeste, com os casos agora descendo para
a parte mais a oeste do Sudeste e do Sul", diz.
O estado de São Paulo fechou 2022 com 355.479 casos, o
equivalente a 762 registros a cada 100 mil habitantes. Minas Gerais
contabilizou 93.412 ocorrências (436,3/100 mil hab.) e Rio de Janeiro, 11.476
(65,7/100 mil hab.).
Os municípios com mais casos prováveis de dengue ao longo do
ano foram: Brasília (70.672), Goiânia (56.503), Aparecida de Goiânia (27.810),
Joinville (21.353), Araraquara (21.070), São José do Rio Preto (20.386),
Fortaleza (19.094), Anápolis (17.452), Teresina (17.169) e Natal (16.268).
O boletim mais recente do Ministério da Saúde também traz
dados preocupantes para 2023. O 4º LIRAa/LIA (Levantamento Rápido de Índices
para o Aedes aegypti/Levantamento de Índices Amostral) de 2022, realizado entre
outubro e novembro, aponta 218 cidades com alto risco no IIP (Índice de
Infestação Predial).
Isso quer dizer que, nesses municípios, a cada 100 imóveis
visitados pelos agentes de saúde, 4 ou mais continham larvas do mosquito Aedes
aegypti, transmissor não só da dengue como do zika, chikungunya e febre
amarela.
Em cidades como Itapuí (SP), Barra do Quaraí (RS) e Alvorada
D'Oeste (RO), o índice passa de 20, indicando que mais de um quinto dos imóveis
têm criadouros, conforme dados do Ministério da Saúde repassados à reportagem.
Dos 5.086 municípios que realizaram o levantamento, 3.130
(62%) obtiveram IIP menor do que 1, taxa considerada satisfatória. Outros 1.738
(34%) ficaram com o índice entre 1 e 3,9, indicando uma situação de alerta em
relação à infestação do mosquito.
"O índice mais alto diz que há condições sanitárias
ruins. Se somarmos a isso a questão climática, temos um terreno pronto para a
proliferação do mosquito", afirma Renato Grinbaum, membro da SBI
(Sociedade Brasileira de Infectologia) e professor do curso de medicina da
Unicid.
Entre os possíveis criadouros mais frequentes, o LIRAa
indica a prevalência dos depósitos de água (caixas d’água, tambores, cisternas)
em estados do Nordeste e de depósitos domiciliares (como vasos e frascos,
bebedouros, piscinas não tratadas e bromélias) no Sudeste.
Em estados como Amapá, Roraima, Rondônia, Mato Grosso,
Paraná e Santa Catarina, pneus, latas, garrafas PET, sucata e entulho são os
depósitos mais recorrentes.
Os infectologistas afirmam que o LIRAa foi criado para servir
como subsídio à ação e, quando os dados são usados dessa forma, o maior IPP não
resulta em surto. "Em teoria, o risco é maior, mas nem sempre a relação é
linear porque depende das ações do município", aponta Bandeira.
Os dados permitem às secretarias municipais de saúde se
antecipar, aplicar larvicidas em regiões críticas, realizar o fumacê nos
bairros com alto grau de infestação e reforçar o trabalho de conscientização. A
ideia, ressalta Bandeira, não é esperar que vire uma epidemia.
"Dessas 218 cidades, aquelas que adotarem todas as
medidas de enfrentamento terão impacto menor do que cidades em alerta ou com
nível satisfatório", adianta.
E, independentemente do nível no levantamento, os dois
reforçam a importância dos cuidados. "Com as chuvas, imaginamos um mês de
janeiro com muita água parada, o que vai aumentar a proliferação do mosquito e
os casos de dengue. No final deste mês, creio que já começaremos a perceber de
forma mais clara esse aumento", sinaliza Grinbaum.
Atualmente, há no mercado particular uma vacina contra dengue do laboratório Sanofi, porém ela só pode ser aplicada em pessoas que já tiveram a doença. Os outros dois imunizantes no horizonte são o da Takeda, que submeteu o pedido de registro à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2021, e a do Butantan, ainda em fase de testes.
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